Artigo
Pequenas grande mulheres
Por Paulo Rosa - Pediatra, psicanalista, Sociedade Científica Sigmund Freud Pelotas
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Prolongue-se o Dia Internacional das Mulheres. Preciso falar com quem aprendo. Faz já bom tempo, umas duas décadas, recebi Sofia no consultório, menininha de quatro anos. Mão dada com sua mãe, ela me observa, pacificamente. Há cerca de um mês deu-se, de forma inesperada, a morte de seu jovem pai. Problema cardíaco. Como Sofia não fazia qualquer referência à perda, a mãe preocupou-se. Temeu que o luto não estivesse indo por bom caminho. Ao acolher Sofia em minha sala, dirijo-me a ela agachado, à altura de seus olhos. Digo-lhe que a mãe a trouxe para que a conhecesse, para que brincássemos um pouco e eu pudesse ver se ela precisava de alguma ajuda... enfim, uma demasiado longa conversa, fruto, reflito hoje, de minha pouca experiência e grande ansiedade ante a situação de luto dessa família. Ela seguia me olhando e ouvindo, pacientemente. Após pequena pausa, ela me dirige a palavra: 'sabes o meu nome?'
Só então me dei conta. Açodado ante o momento, deixei de lado a regra básica de um primeiro encontro: a importância central do nome próprio. Que melhor forma para iniciar uma relação? Além disso, penso hoje - com desgosto - que posso tê-la subestimado por ser tão pequenina: algo quase vexatório para quem se tem por pediatra e psicanalista. Atualmente avalio que ninguém "é" médico, algo que é verdadeiro apenas em sentido formal. De modo muito mais preciso pode-se dizer que alguém "está" (ou não) médico. Naquele momento de abertura da entrevista eu, decididamente, não "estava psicanalista". Sofia, ao intervir de forma espontânea e natural, situou-me e deu-me chance de que, então, passasse a estar, propriamente, profissional. Depois de algumas entrevistas, entendi e comuniquei à menina e à mãe, que a entendia vivendo uma forma natural de luto. Sem patologias. Sofia é médica e, creio, experimenta com harmonia as durezas e as alegrias do viver.
Dodô, apelido afetuoso, tem seis anos. Temos contatos frequentes, através da relação com seu pai, um amigo que me é muito próximo. Ela me chama a atenção por ser muito ativa e sagaz. Ao recebê-los em minha nova casa, a menina, depois de excursionar por todos os ambientes, disse: "essa casa deveria ter mil andares, para que todos pudessem morar aqui". O que ela falou, e da forma gentil como o fez, segue me comovendo permanentemente. Poderia haver forma mais generosa e amena de alguém dizer que está gostando de estar onde está?
Essas duas experiências me são inesquecíveis. E o quanto aprendi com essas duas grandes pequenas mulheres, idem. O tema remete, é claro, ao evangelho de Marcos, 10:14, e à conhecida admoestação de Cristo a seus parceiros, para que facilitassem a vinda das crianças a seu encontro: "deixai vir a mim os pequeninos". Percebo aí implícita a busca de, com as crianças, aprender, por sua liberdade de pensamento, e sua liberdade de ação e espontânea força.
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